sábado, 5 de setembro de 2009
Dieta de menino com alergia a comida custa R$ 9 mil por mês
Toda vez que João Vithor, de 4 anos, come um alimento proibido “A barriga fica grande, a bochecha fica [inchada], o cabelo vai lá para cima e o olho fica desse tamanho”, descreve o menino.
Ele tem alergia quase completa a comida. Só pode consumir um tipo especial de leite - que custa R$ 450 a lata e carne de rã.
“Só a dieta do João fica em torno de R$ 9 mil por mês. Aí tem a da Nicole também”, calcula a mãe de João Vithor e Nicole, Poliana da Cruz.
O cardápio da irmã, Nicole, é ainda mais restrito. Para ela, nada de rã. Só leite. A prefeitura de Goiânia banca o tratamento, mas a mãe diz que às vezes a ajuda atrasa. “Quinze dias que falta o leite significam 15 dias que vai passar fome”.
Francelene, de Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro, também reclama da demora do governo. Ela diz que acabou se endividando para manter o estoque de leite de Guilherme, o filho alérgico a comida. Preço: R$ 550 a lata. Diz que pegou empréstimo com agiotas, quase perdeu a casa, e até pediu dinheiro na rua.
“Ele doente, muito fraco na cama, eu chorando, ele acordou e falou: ‘mamãe, por que você está chorando? Mamãe, não chora, não. Não chora, não, porque eu vou levantar desta cama e eu vou ganhar o leite’”, lembra a mãe de Guilherme, Francelene da Silva.
É difícil eles entenderem que não são como as outras crianças.
“Chega ao shopping, eu não posso ir nem na praça de alimentação com ele, porque ele vai sentir o cheiro da comida e vontade de comer”, lamenta o pai de João Vithor e Nicole, Roger Rios.
Alergias graves estão se tornando cada vez mais comuns, como mostra uma série especial da BBC que o Fantástico começou a exibir domingo passado.
“Por volta de 30% da população mundial tem alergia. Acreditam até que até o final do século isso deve chegar a quase metade da população”, informa o vice-presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia Fábio Castro.
Alergia é uma batalha exagerada do organismo para expulsar um corpo estranho. Existem várias explicações, nenhuma definitiva. Os cientistas apostam numa combinação de genética com exposição a poluentes e outros produtos químicos da vida moderna. A batalha contra a asma em duas ilhas ilustra a teoria.
Barbados, no Caribe: os casos de asma aumentaram dez vezes nos últimos 20 anos. Atingem, hoje, 20% da população. Para os médicos, uma epidemia.
"A explicação pode estar no processo acelerado de urbanização do país, com muito mais carros e poluição", diz a alergista Kathleen Barnes.
O fator hereditário da asma começou a ser desvendado em um lugar perdido no Atlântico Sul. Tristão da Cunha é a ilha mais remota do planeta. São sete dias de barco para chegar até aqui. Pelo isolamento extremo, é um laboratório natural para estudos genéticos. Metade da população tem asma. Um índice sem igual no mundo. O motivo: os cerca de 300 habitantes descendem de apenas sete famílias.
O casamento entre parentes acabou espalhando o gene da asma. Quem investigou a linhagem dos moradores e isolou o gene foi um cientista brasileiro - Noé Zamel, da Universidade de Toronto, no Canadá. Mas ele é cauteloso.
"A descoberta não explica todo o problema da asma. É apenas uma peça do quebra-cabeça", destaca o professor da Universidade de Toronto Noé Zamel.
Existe também uma hipótese evolutiva. Pesquisas mostraram que o anticorpo que dispara a maioria das alergias tinha uma função bem diferente nos primórdios da humanidade. O IGE era uma proteção contra parasitas que infestavam o homem há milhares de anos.
Em pouquíssimo tempo, na escala biológica, a urbanização, os remédios e os hábitos de higiene transformaram nossas vidas. Sem ter o que combater, o IGE voltou suas armas para invasores inofensivos - poeira, por exemplo.
Mas e quando o inimigo parece atacar por todos os lados? Em Houston (EUA) pessoas se dizem tão alérgicas que nem a equipe de tevê pôde chegar perto. Eles sofrem de "sensibilidade química múltipla". A portadora de sensibilidade química múltipla Nancy Van Afflen só dirige de luvas. "Sou alérgica ao vinil e ao poliéster", ela diz.
A máscara e o cilindro de oxigênio protegem contra supostas toxinas no ar. Dentro da casa, tudo esterilizado. Os móveis foram adaptados. "Esse compensado não leva resina, nem formol. A cola é à base de soja", mostra Nancy.
Para alguns médicos, a explicação para a "sensibilidade química múltipla" talvez seja psicológica. Como Nancy, muitas pessoas acreditam que têm alergia, mas nem sempre isso é verdade.
"Talvez apenas 1% ou 2% dos adultos sejam realmente alérgicos", afirma a psicóloga Rebecca Knibb.
Muita gente também confunde alergia com intolerância. Alergia é uma resposta de defesa do corpo, geralmente imediata. Coceira, espirros ou falta de ar são alguns dos sintomas. Já a intolerância, de efeito mais lento, é a falta de enzimas, que são um tipo de proteína para digerir certos alimentos.
“O alimento fica pesado, às vezes fica tendo uma diarréia contínua, toda vez que come aquele alimento”, explica o alergista Fábio Castro.
Alergia não tem cura, mas pode ser controlada. Guilherme, de Petrópolis, tem voltado a comer aos poucos.
“Peito de peru, coelho, frango. Às vezes reage bem mal”, comenta a mãe de Guilherme, Francelene da Silva.
Em Goiânia, Nicole e João Vithor ainda não tiveram essa sorte. “Ele mesmo fala que papai do céu está curando ele, e que ele logo vai ficar bom e vai comer de tudo”, diz a mãe dos meninos.
“Vai ter leite de vaca, bolo no meu aniversário, quando eu sarar”, planeja o pequeno João Vithor, de 4 anos.
Reportagem do Fantastico
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